Termo velhice em lista de doenças

 



Termo velhice em lista de doenças


Ex-atleta profissional de futebol, o psicólogo Luis Fernando Silveira, hoje com 59 anos, segue disputando suas "peladas" semanais com amigos. A maioria está na mesma faixa etária e o conhece desde os tempos em que ele defendia clubes como o São Paulo e o Goiás, nos quais ficou conhecido como Bico Fino.

Mesmo não apresentando a habilidade e velocidade de antes, os jogadores seguem competitivos. Oficialmente, as partidas servem de pretexto para reunir amigos, se divertir, evitar o sedentarismo e celebrar o fato de os participantes continuarem aptos a jogar seu futebol e a desempenhar uma série de atividades. Contudo, ninguém quer perder um jogo.

Apesar da atual disposição, alguns médicos podem deduzir que Silveira ficará doente em 1º de janeiro de 2022 – mesmo que sem nenhum prejuízo ao seu atual bem-estar. Tudo porque, no primeiro dia do próximo ano, quando o psicólogo completa 60 anos de idade, entrará em vigor a nova edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 11). Nesse documento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu incluir o termo velhice, sob o código MG2A.

“Se, por qualquer motivo, ele [Silveira] tiver que procurar um médico a partir de 1º de janeiro, o profissional de saúde poderá considerá-lo doente pelo simples fato de ele já ter 60 anos de idade. Ele e muitas outras pessoas”, disse à Agência Brasil a presidente da Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria (SBGG), Ivete Berkenbrock, explicando que, para a OMS, em países em desenvolvimento a velhice começa aos 60 anos.

“A menos que a decisão seja revista, os profissionais da saúde poderão sim usar o código da CID para velhice no lugar de uma série de manifestações. Porque não está claro em que casos esse código poderá ser utilizado”, acrescenta Ivete, criticando a iniciativa. “Se os profissionais arem a anotar esta única CID em vez dos outros códigos já empregados para identificar várias e diferentes doenças, isso vai mascarar não só os resultados de futuros estudos epidemiológicos, como afetará a definição de políticas públicas e pode vir a estigmatizar as pessoas.”

Criada em 1893, a Classificação Estatística Internacional agrupa uma série de doenças e de situações em que há necessidade de atendimento clínico. Adotado pela OMS em 1948, o documento utilizado por profissionais de mais de 150 países está em sua décima edição, implementada em 1993. A nova versão, a CID-11, foi aprovada em maio de 2019, após um processo de consultas, discussão e revisão textual, mas só a poucos meses de entrar em vigor a inclusão de um código para designar a velhice (ou, no inglês, old age) chamou a atenção de profissionais de saúde.

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, parte dessa repercussão se deve ao fato de, em abril deste ano, médicos terem atestado a morte do príncipe Philip, de 99 anos, como causada por velhice, ainda que o marido da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, tivesse ado por uma cirurgia cardíaca poucas semanas antes.
Impactos

A OMS sustenta que o fato de incluir um código específico para velhice no documento não significa que tenha classificado essa fase natural da vida como uma doença, já que a CID, conforme o próprio nome indica, não lista apenas estados patológicos. “O CID contém, por exemplo, lesões, achados, motivos de encontro com o sistema de saúde ou condições que podem ou não exigir o apoio do sistema de saúde, dependendo do contexto e da extensão do sofrimento vivenciado pelo indivíduo”, informa a organização, em nota.

“A CID reconhece que as pessoas podem morrer de velhice – e existe um código que se pode usar caso seja essa a única coisa declarada em um atestado médico de causa da morte”, destaca a OMS. “Mas o envelhecimento não é identificado como porta de entrada para [uma situação que, necessariamente, exija] prevenção ou tratamento”, acrescenta.

A explicação não convence o psicólogo e boleiro Luis Fernando Silveira, que só pôde atender à reportagem após um longo dia de trabalho. “Acho isso muito subjetivo. Eu mesmo pratico esportes, trabalho, vou regularmente ao médico e estou saudável. Acho uma medida desnecessária, que não faz muito sentido. E que, de certa forma, pode ampliar o preconceito contra os idosos.”

A vice-corregedora do Conselho Federal de Medicina (CFM), Helena Leão, concorda com Silveira. Da mesma forma que Ivete Berkenbrock, da SBGG, Helena espera que a OMS reveja a decisão, sob risco de impor à sociedade impactos sociais e econômicos que, segundo ela, incidirão sobre as políticas públicas de cada país.

“No Brasil, a categoria médica se surpreendeu ao tomar conhecimento da iniciativa, pois me parece que ninguém esperava uma mudança como essa”, disse Helena, destacando que, na CID-10 já há um diagnóstico para a senilidade, ou seja, para classificar eventuais processos de adoecimento na terceira idade. Ele difere dos conceitos de envelhecimento (tido como um processo natural, que se inicia logo após o nascimento) e de senescência (o gradual comprometimento de algumas funções do indivíduo em decorrência do ar dos anos).

“O envelhecimento caracteriza a evolução fisiológica natural de todo ser humano. É uma etapa da vida, não uma doença. Principalmente em uma época em que os idosos são participativos, produtivos, trabalham”, comentou a representante do CFM, frisando que, se colocado em prática, o uso do termo velhice suscitará questões que precisam ser esclarecidas.

“Todas as pessoas idosas vão receber este CID quando o profissional de saúde um documento ou preencher uma declaração de óbito? E quanto aos diferentes contextos nacionais? Há países em que a pessoa só é considerada idosa a partir dos 70 anos. Em outros, aos 65. Pelo critério da OMS, no Brasil, seremos todos doentes a partir dos 60 anos? E para efeitos trabalhistas? Qual o impacto dessa decisão">https://informativogeral-blogspot.noticiasgauchinformativogeral-blogspot.noticiasgauchas.com

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